Nem te conto

Quando se tem algo para falar para uma criança e realmente quer que ela te ouça, você pode fingir cochicho para seu adulto na sua frente, fingindo tentar esconder a mais importante das informações:  - “Não deixe a Joana saber, mas tem chocolate dentro da geladeira, ah se ela descobrir….” - então os pezinhos encostam no chão freneticamente, voam correndo para a cozinha, nunca mais barra nenhuma é encontrada. Se escondem atrás do sofá, como se as risadinhas não fossem perceptíveis. Acreditam estarem escondidos e saber um segredo tremendo. E a nós adultos, resta continuar fingindo não os ver, como se não tivéssemos colocado o chocolate lá de propósito, os procurando atrás da porta ou dentro do bolso da calça.  

Assim, mesmo depois de grande, imagino se o segredo da vida aparece, vaza, escorrega nos detalhes, como se fossem feitos para não serem escutados e nem vistos. Temos as declarações menos pensadas e as palavras que são ditas só nos olhares. Tudo que é dito em um tom mais baixo: as rezas, os murmúrios dos desesperados e os gemidos não contidos. Uma frase solta, sem necessidade de ser escutada, te pega desprevenida e muda toda sua perspectiva, sem aviso, no meio da tarde, no meio de um milésimo de segundo, de uma terça-feira qualquer.  

De repente, você está no mercado com o carrinho cheio e escuta o contar das moedas de gente grande com cara de fome, que carrega apenas um item barato nos braços, você desvia dos olhos fundos daqueles que sofrem. Às vezes, no quase escuro, você vê os olhares entre dois ex amantes no meio de toda uma multidão e escuta todas as batidas descompassadas dos corações dos paralisados de saudade. Tem ainda o canto do pipoqueiro, que junto ao seu radinho vermelho, num samba antigo, parece minimizar as preocupações de todos seus afazeres. Não queria você parar de correr contra si, sentar-se no banco da praça e comer a pipoca pela eternidade, como se nada doesse?

Você vê alguém que você almeja ser reclamando da vida que tem, fica assustada quando conhece alguém muito parecido consigo. Ver a dor, o amor, todos escrachados nas miudezas. Como não parar tudo que se é, tudo que se tem com as sigilosas realidades maltratando seus sentidos? Eu não sei, gostaria de parar todas as vezes, comer sempre a pipoca, juntar minhas novas concepções e sutilezas para então seguir meu caminho.Que segredos restam nas entrelinhas e nos nuances? Quando vou parar de escutar apenas a mim mesma? Quero me juntar aos atentos amantes da vida, que na brevidade de um silêncio eterno se fazem aprender tudo aquilo que eu ainda não sei.


Temporona 

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