É ridículo na verdade como eu funciono sem você. Palavras limpas e diretas a ti que se embaralham só depois da metade do texto. Meu único remetente recorrente. Posso pensar livremente em como funciono agora. Tenho a impressão que eu não funcionava com você, muito pouco de mim sobrava, as vezes tenho mais que uma impressão quando o que você fala de mim chega aos meus olhos. Por mais diferente que minha vida pareça agora e por mais dramática que minhas palavras soem, continuo com esse mal costume de escrever sobre você. “Você” sempre tem o nome de alguém amarrado, quando não se tem, normalmente é uma conversa consigo mesmo exposta aos demais, necessariamente ou não. Mas, quando falo comigo, me chamo de “comigo” e meu “você” sempre é teu.
Como posso pensar tanto em quem destino meus pronomes de tratamentos quando carrego tanto nos ombros? Tenho dor nas costas recorrentemente, cada vértebra da minha coluna parece ressoar o que tenho feito de melhor. Tenho sentido cada vez o vento e apesar de caminhar cada vez mais devagar, o sinto batendo no meu rosto com mais força sobre um sol fraco todo o fim de tarde. Outra vértebra dói, carrega as melhores risadas das quintas-feiras que vejo as meninas, deito depois de chegar em casa e olho para o teto, sempre repenso nossas vidas inteiras, e aquilo que não sei parece grudado com cola de alguma maneira. Um leve torcicolo no pescoço me parece lembrar das horas perdidas quando cozinho pra mim e no mais novo livro de receitas que vou passar para algum amante fiel delas quando for velha o suficiente para dar sermão, o papel é lindo, grosso e a caneta tinteiro faz com que as palavras se imaculem.
Com as costas, ombros e pescoço tensionados, saio da casa, não saio de casa, me mantenho alerta às minhas vontades, me isolo, conheço o melhor dos amigos, me canso, descanso, leio tudo que quiser, falo comigo mesma, rio de nada demais. Onde eu estou, tenho sido eu mesma, tenho tudo nas minhas costas, tudo em mim me acompanha. Posso pensar que perdi somente uma palavra, que meu “você” está acabado. Posso esperar o tempo, usar apenas o “tu” e mudar minha conjugação verbal inteira, minhas escrita, meu falar, para me ver livre de ti.
Sou muito nova, mas reclamo só quando escrevo. Tenho escrito tão pouco porque tenho caído cada vez mais às minhas graças e nada de muito dolorido tenho pra remendar, além das costas, é claro. Na última quinta, deitada antes de dormir, lembrei que faz muito tempo que não me lembro de você. Senti falta das minhas costas, sem peso, sem dor, nenhuma tensão me acompanhando, de viver como se soubesse de muito menos que sei e como se soubesse muito mais de você. Pode parecer controverso aos desatentos, também não pensei que estaria mais consciente de mim. Como um analgésico prescrito com pouco cuidado, você, dono de todas minhas linhas, segue maltratando alguns momentos. Asseguro entretanto, que este alívio estará soterrado na memória, se perderá na dor aguda das minhas costas. Não tenho muito a dizer. Isso tudo soa ridículo, e essa saudade, mais ainda.
Temporona
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