Moro só

Eu cansei de metáforas,de tentar esconder meus delitos, de fugir de mim. Eu não saio de casa a três dias, sinto uma agonia no peito e não almoço no domingo. Prefiro sentir meu estômago ranger quando ninguém senta na mesa comigo. Você sabe o peso de um domingo quando  se vive só? Nem  tenho mesa de jantar  e não chamo ninguém para almoçar comigo na minha mesa hipotética. Não quero ver ninguém, poucas vezes  me olho no espelho, sempre tenho olhos inchados de choro. Não são analogias.

Nesses dias que não saio, tento desesperadamente deixar a casa arrumada em uma última esperança de não desabar. A realidade é que já desabei, vivo como uma desabada. Olho os copos de água, eles estão em todas as frestas, do lado da cama, em cima do armário, na pia, no chão, se escondem pela a casa. Tenho quatro copos de água. Na procura de um quinto copo para tomar água gelada, com os outros perdidos e meio vazios pela metade, de água morna, me assusto. Nesse único segundo de consciência, saio apressada, escuto o sangue pulsar ligeiro de medo, sussurro para que os copos de água me achem, grito para achá-los. Os lavo, muito sabão, eu sei que era só água morna. Repito pra mim mesma que é apenas água morna enquanto os lavo com força. Não acredito em mim. Eu sei que eles estão imundos, sinto vergonha de lembrar do meu estado miserável. Os copos imundos de mim. Muito sabão. É só água morna dentro deles, eu repito.

Trouxe um banquinho de plástico para o chuveiro, sem encosto para as costas. A falta de encosto para as costas é muito sentida. O banho tem me tomado bastante tempo, fico horas lá dentro. Procuro a água depois de lavar os quatro copos. O sabão, a água gelada passando pelos copos me dão um certo tipo de inveja, quero ser tal qual como o copo. Deixo água gelada escorrer sentada no meu banquinho imundo. Me esfrego com força, sinto muito frio. Quando se sente muito frio é mais fácil chorar, os olhos quentes, o corpo nu, os dedos enrugados te convidam a mais água ir para o ralo, como se não fizesse diferença. Não faz.

Quando fui comprar minha mesa de jantar a duas semanas atrás, pensei mais nas cadeiras que a acompanhariam do que na mesa. Haviam muitos modelos bonitos, a de forro xadrez ornaria com a minha casa.  Visualizando as cadeiras na sala percebi que somente uma cadeira sentiria o peso de alguém todo dia e sai da loja sem nada. Três cadeiras não usadas. Me incomodou mais ainda a ideia de comprar uma cadeira só. Nem vendiam: “- Quatro ou nada..”.  Voltando para casa de mãos vazias tracei um plano, montaria uma tabela que alternaria os dias do mês que sentaria em cada cadeira. Imprimi, colei na parede que a mesa ficaria encostada. Voltei no dia seguinte esperançosa. Enquanto conversava com a atendente, lembrei do papel segurado em fita crepe e me senti a mulher mais tola do mundo.  Essa semana tirei a fita crepe da parede branca, que ria de mim toda vez que passava pra tomar banho. Esse vazio na sala parece um vazio em mim, mais um deles.


Temporona 


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