Hoje, peguei o resto de meus momentos de sol e parei em uma antiga papelaria, que agora se faz oculta pelos grandes prédios que a cercam. Nesta papelaria comprei o papel que ansiosamente agora posso escrever. O gosto da água Sarandi que bebo neste momento, nesse escaldante dia, costuma me lembrar o gosto da água do bebedouro da casa da minha vó, que se localizava em cima da prateleira de sua cozinha, onde ela passava muitas horas de seus dias. Agora, com sua partida, gostaria de apresentar depois de tantos anos, a pessoa que me tornei para ela.
Será que ela sabia ou vislumbrava quais eram os caminhos que sua pequena e zelada neta, escolheria para si? Será que ela tem ideia dos problemas, assim como as soluções que criei a mim mesma? Será que ainda hoje, depois de horas a fio perdidas tentando me encontrar, eu sei quem realmente sou? Como será que me apresentaria à ela? Meus pensamentos voam para longe desta aconchegante padaria. Uma apresentação de Powerpoint poderia ser objetiva, mais curta e mais impessoal do que um discurso verbal corrido das coisas que fiz. Ou mesmo poderia apresentar as fotos dos grandes momentos que passei, porém receio ter perdido os melhores cliques na vasta e imensa quantidade de mídia inútil que recebo no meu dia-a-dia, inserida no mundo digital, onde rotineiramente sou soterrada de arquivos indesejados e efêmeros.
Eu espero que o mundo espiritual cujo minha avó se encontra, seja mais fresco que essa atual sopa terrestre.
Enquanto espero o meu café e divago sobre meu mundo, não pude deixar de ver uma criança ao meu lado, abrindo um sorriso largo, de mostrar todos os dentes (ou a falta dos mesmos) e janelinhas de sua boca, com a chegada de um copo gelado de suco de abacaxi. Seu bigode da polpa da fruta depois de uma boa golada me faz lembrar das lindas e pequenas coisas da vida.
Não queria desperdiçar minhas páginas recém-compradas com meus devaneios que pariam alternadamente entre mim, o mundo dos mortos-vivos e em janelas de crianças. Talvez estas páginas, que se encontram sob a mesa enfeitada, sejam poucas e pequenas para comportar minha cabeça incessante e meus punhos ligeiros. Apesar de seu tamanho, talvez o suportador de toda essa tinta, o papel, seja o suficiente por enquanto. Logo paro de escrever. Não tardo. Pensei que neste ano tão atípico que passei, essa empolgação com algumas simples folhas não ocorreria. Enganada estava.
Meu café chegou e agora me ponho a ler o jornal. Não me assombre a noite vovó. Bom resto de tarde, e descanse para todo esse sempre, ou todo esse nada.
Temporona
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