O caminhão passa

 Eu sinto que fui atropelada com um caminhão de muitos eixos e toneladas incontáveis. Ainda não tenho certeza de onde vem esse sentimento. Se me sinto doente por todo esse todo que carrego...

                    que me carrega...

                    que me arrasta...

No final não sei se fui realmente atropelada, ou se esse penar é o viver. Será que me sinto tão ausente desse tudo justamente por me ter me desligado do meu corpo enquanto estava estatelada naquela suposta estrada? Macia. Gélida. Estrada.

Quero me deitar.

                    não na cama...

                    não na gélida rua..

                    não no corpo de outro alguém..

No final, posso dizer que estou apenas cansada, mas não me conformo, essa palavra não me cabe agora.  Todos nós não estamos cansados? Eu estou vendo as rodas sobre mim, pesadas. Todos nós estamos?

            Todo esse dia, todo esse corre-corre, todo esse dia-dia.

E quando estiver atropelada por dois caminhões? Ou sobre a sola do sapato de gigantes? Na barriga de uma baleia, vulnerável,  com seu ácido gástrico descobrindo meus ossos? Estarei mais cansada? Não. Não estou cansada agora, não posso estar.

Eu quero as manchetes, a via, o horário e o motorista e o boletim de ocorrência do acidente. Quero o registro telefônico da ligação do SAMU. Quero relatos médicos dos esforços em meu corpo.

Quero estar acidentada sobre a rua esperando o socorro. Senão, se nada disso for verdade, estarei finalmente cansada. Tenho medo de ter me perdido em tanto cansaço. Tirarei apenas uns minutos aqui deitada nessa rua, logo vou, logo começo o dia.

 
    Temporona

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