Mãe, sinto sua falta. Sinto mais saudades suas do que saudades de ser criança, menina, moça.
O Augusto fala que o zoológico onde ele passa comigo nas manhãs antes do trabalho o lembram de seus pais, e aos sábados de manhã, e gosto de suco de laranja comprado na cantina depois dos leões, e almoço de vó. Nesse tom nostálgico penso que se esquecer um pouco da correria e parar de contar os minutos que faltam para menos atrasar bater o ponto, se esquecer tudo isso, sinto o cheiro das minhas próprias memórias.
Lembro da primeira vez que descobri que aranhas tinham oito patas, na música de entrada do meu desenho favorito e falar disso por semanas para você. Lembro de perder o fôlego, que era pouco dado aos pulmões pequenos, ao ver um prédio tão tão alto feito céu e se sentir pequena feito formiguinha. Lembro da primeira vez dormindo na casa da Fernanda, e voltar chorando as três da manhã de saudades suas. Lembranças essas que servem de amparo quando me provam que a vida pode ser difícil.
São memórias essas, saudades essas, que me apunhalam com uma gratidão amarga de poder ter vivido tão singela, e poder viver agora tão distante da infância.
Pressuponho que gente grande de verdade sente saudades de casa, da família, mesmo sempre saindo do próprio ninho, voando empurrado árvore abaixo. Mas mãe, não posso sentir saudades suas, não aguento.
Quando lembro que a distância entre o que eu faço e o que você faz durante todos os nossos dias só cresce, eu me desespero. Quando me lembro que estou amarrada nessa casa sem nem o zelo de ser chamada para a mesa meio-dia, numa terça-feira, eu choro mãe. Sem saudades. É dor.
Então se agora sou gente grande, e sou livre, e posso ressignificar todas as palavras como bem quiser, eu digo apenas que sinto falta de colo. Não são saudades suas. Pelo menos me deixe ter isso, suplico.
Tantas coisas me ocupam o tempo, e outras mais tantas coisas me ocupam o espaço da cabeça, que pouco tempo tenho e pouco espaço tenho para ser eu mesma dentro do meu pensar. E você, tantas coisas te ocupam o tempo e tantas outras te ocupam o espaço da cabeça. E quanto mais se passam os dias, mais distância, mais distorção, do espaço-tempo de viver, e ser, há. O que sobra?
No tempo-espaço que te sobra você reclama com razão da minha ausência. Te devo desculpas pelos últimos dias, eu sei, mas nesse mar de não-saudades suas tem uma parte minha, resguardada, esperando voltar ser pequenininha feito formiga. Desse tamanho, nada poderei fazer, naufragada em dor de falta.
Me desculpe por ter medo de falar com você, fazendo menos tanto como deveria. Então, mãe, por favor, aceite essa carta de clemência.
Temporona
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