Castelo de escoro

    Como posso expressar meu desgosto por você que me tem nos braços?  Envolta em seu cheiro que toma o quarto enquanto me toma e por fim me lapsa a consciência. E depois, volto sempre um quarto mais vazia de mim. Minha cabeça, sempre cheia de você, quando percebe que na verdade sua presença é ausência de ser suficiente, se entristece e sente vontade de dizer adeus.


Essa areia, que constrói o castelo que somos rainha e rei, está seca sobre o sol escaldante. É derrubada por um passante qualquer. Ou quando passa pela minha peneira fina, que aguenta tanto, escorre em uma pilha que nada se transforma. Se éramos pedra e você me tirava dos meus problemas e me fazia sentir na minha melhor versão, por que escorre tão ligeiro? 


A fim de me acalentar, finalmente sozinha, sem o seu toque nauseante que arrepia e machuca, preciso tomar um banho. Entretanto, a distância que preciso se quebra quando os restos dessa areia estão no chinelo, na toalha que me seco e no meu cabelo mal lavado. Não descem ralo abaixo. 


Os dias passam e mais areia entra no banheiro quando volto para casa depois de te ver. Tenho medo de tudo isso virar areia movediça; por enquanto beira apenas o meu joelho de acumulado de decepções. Não posso dizer que não estou acostumada com o desconforto da areia raspando a minha pele.


Posso te chamar de areia e mascarar a verdade em alusões estúpidas.


Sendo sincera, dentro da sua cabeça tem o que já sei. Sei que me usa de muleta, para acostumar-se com o que já é de costume: me ter. Me faz de rainha, constrói meu império e recita baixo nos meus ouvidos canções trovadorescas. Para me chamar de novo, para me amar de novo, mas tão menos do que preciso de você. Sou uma mentirosa, não tenho coroa nenhuma, tenho apenas uma envergadura amadeirada na ponta da minha verticalidade, de escorar a mão e manter o corpo em pé.


Quando volto a brincar de mentir chego até a sentir pena de mim mesma por ter escolhido tão mal o meu brinquedo favorito. Então, no auge da minha insensatez, me lembro quem você é, me lembro que se apoia, porém sempre chama meu nome. Volto a ti mais uma vez.


Temporona

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