Carta para ele

 Minha outra metade


É madrugada, estou revirando minhas próprias bagunças. Não sei nada sobre escrever cartas. Enquanto olhava os papéis, acabei por encontrar uma lista das coisas que eu precisava fazer antes de sair da nossa cidade natal, ai, nesse fim de mundo que te encontrei na sorte do acaso. Além da lista, achei um papel com as anotações da aula que assistimos juntos, quando fui te ver depois de tanto tempo, já em outro canto do mundo, que parece estranhamente carregar o som claro das suas risadas.

Queria jogar tudo fora, não todos os papéis, mas tudo que sei sobre mim. Vou perder o fim da noite para toda baderna que nunca nem uso. Elas que na verdade usam meu tempo. Entretanto, elas dormem comigo, moram no meu quarto, e logo, se elas estão desorganizadas, eu pareço não funcionar. Sinceramente, eu sou uma bagunça, como elas, talvez porque escolho viver tudo de uma só vez. Quando me resta pouco tempo do final de semana, quando estou de dentes escovados, banho tomado, com meu melhor pijama, deitada, quase fechando os olhos, elas cochicham. Me tiram o sono. Resolvi olhá-las mais outra vez, aqui estou.

Espero que você se recorde daquele meu aniversário, um dos tantos outros que passei ao teu lado, que você me presenteou com uma carta impressa, acompanhada das fotos dos nossos melhores momentos. Essa carta fica em uma pasta que sempre preciso pegar, para ver os documentos que lá estão, e por isso, me ponho a lê-la inúmeras vezes como hoje. Isso me lembra da coerência que vejo em você e a forma mais bonita que conheci até agora de expressar amor aos seus amados. Tenho sorte de ser uma. Por anos me senti em débito, mas agora que muito tempo passou, vejo que consigo demonstrar meu amor em forma de presença, conseguia. 

Não sei mais o que posso fazer, isso me assusta. Se estou tão longe de você como se possa estar e escrevo tão toscamente entre cartas que se perdem no tempo, com o que você fica de mim? Você vai se revirar do avesso e me encontrar aí dentro? Que poder eu tenho contra o tempo que passa tão ligeiro? O que mais eu faço para você não me esquecer? Não tenho poder nenhum, não faço nada, lido com o mesmo acaso que te trouxe até mim. Eu não preciso somente de uma obrigação de um passado exuberante, me dado como um presente ao teu lado, para você continuar comigo apenas por isso. Preciso mais, tão mais como somos. 

Peço perdão pelas palavras tão assustadas. Nunca aprendi a escrever feliz, para tirar sorrisos de leitores. Aprendi a ser feliz, de vez em quando, e nada mais.

Eu quero bordar seu nome ao lado do peito, já está bordado. Quero te dar todas as minhas piores histórias, para você rir da minha cara, com a acidez necessária para se levar a vida. Quero te fazer companhia no seu apartamento alto, vazio e singelo, onde suas bagunças te acompanham, onde se perdem cartas e você sobrevive arrastado.

                               Não se esqueça que eu não te esqueço.

                                                        Com amor,

                                                 Temporona 


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