Meu coração palpita inquieto, o de todos nós com algo que só se sabe quando pesa, conversa nenhuma começa assim, perdão. Apressado para falar o que há dentro, afobado, não escuta mais nada. Alguma conversa realmente começa ou apenas se escolhe quando começamos a falar o que pensamos? Às vezes se fala o que nem se é e o que nem se pensa. O que importa? Estou sozinha, paredes e copos me olham apreensivos. Tantas palavras vazias jogadas fora em recipiente nenhum. Me entende? Converso sozinha. Sim, me entendo.
“- O que ela tem para falar?”
“- Ela não cansa?”
Todas as paredes falam. Todos os copos falam. Eu sei. Eles conversam entre si? Se escutam? Meu coração pulsa sangue quente, me falaram. Quando cortei meu dedo, ele correu longe de mim. Tenho veias para todo sangue que é meu e que pulsa ligeiro na completa agonia para se pulsar. Me falaram, na aula de biologia, que tenho sangue dentro das veias e que quando se corta, ele escorre, desenhei todas as veias, deixei todas elas desenhadas no papel. O sangue escorre, escorre e pinga vermelho, minha veia me falou que pinga, eu vi, meus olhos me falaram. Como se acalma um coração inquieto?
Coço meu rosto, minha pele arde. Meus cabelos molhados se enrolam depois do banho, fazem sombra para os meus olhos não me falarem mais nada, cobrem as paredes de maneira mais envergonha, mas os copos? Não os vejo mais cochichando. Se amarra o cabelo que pinga água e que tampa os copos que me perguntam se não canso de esbravejar… O que esbravejo no mais alto volume? Você que é copo segura água, e veia segura sangue, e corte pinga, e coração reclama, veloz e veroz. Mas e eu? O que faço? Você tem água, você tem sangue, tem o pingo e tem a dor. Me falaram que tenho o tempo.
O tempo não molha, não pulsa, não faz pingo, não sei se dói, e não sei se tenho, nunca vi tempo nenhum. Se tenho só a ti, que não sei o que é, não sei como segura, se posso ver no espelho, se encosto, se me atropela quando o sol raia e se passa tão devagar a noite como uma birra que me tortura e me deixa só; o que me resta? Sozinha penso, penso demais e esbravejo tão só quanto quando comecei a pensar, e então as horas passam. Eu entendo. Você, copo, entende agora minha ira?
Você, incolor, feito de areia quente já tem o que fazer com a água: segurar, para que ela não molhe a mesa e molhe a boca. Eu, feita de carne morna, 36 graus, não sei. Assustada com quão ligeiro se passa aquilo que tenho, tento mudar a vida inteira todo o tempo, o tempo todo. Os dias felizes passam, dão sempre lugar aos escuros. Os dias também sempre mudam de cor, e tem cor de dormir e cor de ficar acordado; mas por vezes, fica acordado na cor errada se a incerteza é muita. Os dias corridos dão lugar aos calmos. E tudo então retorna, nada consigo fazer, esperando tudo mudar de novo, e nada de fato muda. Tempo, estamos lutando um contra o outro? Não posso só te segurar e sentir escorrer?
Nessa monotonia de troca de opostos, volta e meia me indigno. Você sabe, eu sei. O dia quente te faz suar, então, para se ter o que fazer todo dia, se toma um banho. A noite esfria, arrepia a pele para pegar a coberta, nem sempre assim. Mas eu me levanto inteira nua sobre a cama a noite. Suo de frio quando não devia, tomo um banho quente, saio do banho pelada, e de pé na cama permaneço, sinto frio e volto pro banho. E adivinha? Subo de novo. De dia, me encoberto, não tomo banho. E depois de repetir o mesmo feito incontáveis vezes, assim como você, fadado a acontecer de novo, eu te venço. Não te esperei, apressei o seu passar. Me falaram que se toma um banho por dia. Quantos dias se passaram nas noites que subi na cama? Esse gosto de vitória se faz suficiente para me acalentar? Vai fazer veia segurar sangue calmo e coração parar de doer? Não.
Estou errada em tentar, da maneira mais tola e mais falha, mudar o percurso do tempo? Sim. Me diga uma carne morna de 36 graus que não gosta de brincar de deus. Eu não sei, eu não sei. Estou perdida. Você não fala comigo, nem cochicha com o outro tempo ao lado sobre o que esbravejo, não me vê nua, não faz arder a pele arranhada da agonia do seu passar, não revida minha ousadia. Eu te tenho, você me tem e andamos separados. Volta e meia esbarro com a sua clara encarnação, seja em formato de foto, de memória, de mudança e retorno, e de cabelo branco na cabeça da minha mãe. Isso é o suficiente? Você se esbarra comigo e como consegue ver minha clara encarnação? Apenas com o que sou? Preciso me apresentar como copo e água? Ou corte e pingo? Coração e dor?
Se não te tenho, não mudo e morro. Se não tem nenhum observador morno atento, você não existe, nem chega a morrer, coitado. Preciso da sua bondade, você precisa dos meus olhares. Não deixe de me visitar. Nas minhas palavras escritas, te eternizo.
Temporona
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