Eu, em um ato despercebido, passei por fotos antigas, por músicas que muito escutei, por textos e quadros que pintei e escrevi. É divertido como o eu do passado consegue me entreter, como um mergulho guiado por mim, eu sendo o guia e o turista. Uma música tranquila, mas muito alta, um chá calmante, mas muito amargo, uma certa negação do caos externo. Viro as páginas, vejo as pinceladas, escuto os outros falarem sobre si, me calo, me acalmo. É silencioso embaixo da água.
De longe pareço simples, vejo as minhas partes, junto-as em uma colcha de retalhos, e como sempre, aqui estou eu, fim da visita. Mais do que simples, me parece honesto, ora estou triste, ora me questiono, às vezes falo da minha vida, não escondo nada, tampouco me conheço bem. O que é tudo isso?
Uma nostalgia estranha, quieta, se esconde pelas lacunas. Tento visualizar quando estive mais reflexiva, e com pouca graciosidade, tento vivê-la novamente. Voltar para mim pra poder ser, em parte, outro alguém. Alguém mais leve, que nada menos contra si e não se afoga no mar de ser você mesmo. E os atos despercebidos parecem menos despercebidos, para ser o que mais preciso.
Algum tempo atrás, quando eu era não muito mais nova, eu costumava pensar, com muita convicção, que se me perdesse muito fundo em alguém ou algo, e depois, se decidisse que aquilo não me pertencia, eu poderia voltar para aquilo que já fui. Estaria parada, tal qual um farol, no alto, visível, brilhante, com tudo aquilo que já me fiz, aguardando precisar o meu colo. Daí pronto, depois de subir mais perto das estrelas, me divertiria com as graças antigas, estaria comigo em plena ordem no deleite de se sentir completa novamente.
Sei que o tamanho da minha ingenuidade era grande e nunca realizei tal feito. Nunca voltei inteira para mim, todas as luzes apagadas. No meu mergulho guiado lembro, com certa dor, de ter sido muito melhor do que consigo me visualizar no futuro. Tenho receio de ter perdido a melhor parte de mim pra minha memória, deixado para trás meu ímpeto e o meu fôlego, agora gasto.
Resolvo, temo e encarro problemas muito maiores. Quando se afoga no mar e, por sorte, se sai vivo, um gosto de sal continua na garganta, os olhos ardem por longas horas e o medo de água nunca passa. Começa a se temer o rio, o banho, o suor do próprio corpo que salga e escorre na pele medrosa. Como voltar a nadar no mais revolto e aberto dos mares depois de ter apanhado quando dava pé? Não se volta. Claro que lembrar de si em mar aberto, surfando sem medo por falta de bom senso, traz um formigamento na pele. Uma esperança escondida de não temer se perder de novo e assim, se erguer como se fosse invicta, e como se fosse forte, até de fato ser.
Não nado mais, e de vez em quando, ainda uso boia na chuva, mas tenho tido uma relação única comigo mesma de aceitar meus delitos. De entender que parte do curso das ondas se dá assim, trocando amores, às vezes guiados mais pelo receio. Vejo todas as partes falhas que constituem a colcha grossa que me protege do vento gelado da praia, e assim tenho persistido mais em tudo que me guia e me machuca simultaneamente. Tenho me encontrado na coragem de fazer melhor na segunda vez tudo que jurei nunca repetir.
Temporona
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